26/02/2009

Crónicas Do Metro - Do Lado De Lá Da Porta


Corri para apanhar o metro e saltei para dentro da carruagem. Como sairia logo na estação seguinte, mantive-me junto às portas. Voltei-me e, do lado de lá da porta cerrada, encostado ao vidro, um rosto amigo de longa data acenava-me e gesticulava sorridente. Olhos nos olhos, correspondi-lhe também. “Como estás? Tudo bem contigo?”, perguntámos silenciosamente um ao outro. E ambos gesticulámos “Sim, tudo bem! E a família? Também, graças a Deus.” E terminámos “Um beijo para a tua esposa e para o resto do pessoal!” O diálogo não durara mais do que 5 segundos e logo o metro, impiedoso, retomou a sua marcha. A face amistosa foi rapidamente engolida pela escuridão do túnel. A porta de aço e vidro não impedira o gesto e o olhar de falarem o que lhes ia na alma e soubémos exactamente a intenção um do outro. Em 5 segundos apenas.
Os maiores obstáculos à comunicação não são aqueles que se interpõem inadvertidamente entre nós porque, quanto a esses, faremos o que estiver ao nosso alcance para os ultrapassar. São antes aqueles que nós próprios levantamos: o preconceito, a intolerância, a falta de perdão, o orgulho, a incompreensão ou o medo. São invisíveis e nascem dentro de nós e, por isso, mais difíceis de detectar e de remover. E é preciso que os queiramos remover. Mas, antes, há que reconhecer a sua presença em nós. Só depois disso poderemos lidar com eles.

À partida, é muito provável que não nos revejamos num quadro de orgulho, intolerância ou medo, já que é sempre mais fácil apontar os defeitos alheios. Mas uma boa forma de o verificar consiste em analisar com honestidade uma eventual situação de perturbação ou ruptura num relacionamento, seja com um amigo, vizinho, colega ou familiar (um cônjuge, por exemplo) e chegar às suas raízes. Quem sabe se não acabaremos por descobrir que, afinal, as dificuldades e obstáculos a uma boa comunicação começaram… em nós!?
Podemos conviver anos a fio debaixo do mesmo tecto e nunca sermos cúmplices. Ser marido e mulher e viver em mundos à parte. Ser irmãos de sangue e nunca realmente nos conhecermos. Passar a correr uns pelos outros e, como um quadro desprezado num recanto escuro, enfadarmo-nos com o monótono cenário de todos os dias sem nunca reparar na fantástica riqueza dos seus pormenores, apenas revelada por uma aproximação mais atenta e cuidada.
Talvez seja mais confortável deixar tudo como está. Não mexer nas feridas. Não experimentaremos a sensação desagradável de pegar o touro pelos cornos, é certo, mas a nossa existência ficará bem mais pobre e os relacionamentos muito aquém do seu potencial.
Fugir e esconder a cabeça na areia como a avestruz não resolve problemas, apenas os adia. De qualquer maneira, trata-se de um mito, até porque as avestruzes nunca o fazem. Avestruz que se preze e que se depara com um problema não esconde a cabeça no solo. Corre atrás dele até o espantar.


(Carlos Pinto Leite)

2 comentários:

  1. Olá!
    Será verdadeiramente um prazer para mim ser a primeira a comentar esta magnífica publicação. Não o digo atendendo apenas ao conteúdo mas si, mas também a toda a construção do texto. Os meus parabéns.

    Gostaria apenas de acrescentar, se me for possivel, que os maiores inimigos do nosso crescimento e desenvolvimento somos nós mesmos. Nósnos limitamo-nos, e que "auto-impedimo-nos" de alcançar outros patamares em diversas áreas na nossa vida. Por isso, a mudança parte essencialmente de nós e não dos outros.
    Fico à espera de mais crónicas da vossa parte!

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  2. 'Os maiores obstáculos à comunicação não são aqueles que se interpõem inadvertidamente entre nós (...) são antes aqueles que nós próprios levantamos: o preconceito, a intolerância, a falta de perdão, o orgulho, a incompreensão ou o medo.'

    Mas que verdade dura e libertadora. Construir algo requer um maior grau de dificuldade, mas a recompensa que daí retiramos será sempre infinitamente superior. Para um recém-casado como eu, ler este texto foi uma bela chamada de atenção e um desafio. Obrigado pelo vosso coração e por este texto, duro e verdadeiro!

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