20/07/2015

O HOMO PARENTALIS



“E nos predestinou para sermos seus filhos adoptivos, através de Jesus Cristo, segundo o propósito da sua vontade” (Efésios 1:5)


Após algumas conversas e brincadeiras que estabeleceram uma ponte para nos conhecermos gradualmente, o convite surgiu inesperado: "Anda lá a casa comer a pizza que a minha mãe vai fazer!", rogou o garoto de 10 anos, acompanhado da sua mana, dois anos mais nova e do mais novito com 6 anos. Vinte e cinco anos depois, já não me lembro como, mas é certo que fui! Após esse episódio, as minhas visitas àquela casa sucederam-se, irregulares a princípio mas, depois, cada vez mais consistentes com o passar do tempo. Finalmente, um dia fiquei para não mais ir embora.

Tudo começou com uma amizade sincera e um simples convite para comer "a melhor pizza do mundo". Anos mais tarde, vim a saber que a autora dessa obra de arte gastronómica tinha sido a última a saber, furiosa, que haveria uma quinta pessoa a sentar-se à sua mesa naquela noite.


Nessa altura, internet e redes sociais eram apenas ficção científica, por isso o tempo era mais preenchido fora de casa e para estarmos juntos. Coisas tão simples como saírmos os cinco (as crianças, a mãe e eu) à tarde em longos passeios a pé pelo campo para regressarmos horas depois, esfomeados e com braçadas de flores silvestres. Não faltavam pretextos (e quem precisa, quando a fome aperta?) para deliciosos lanches ao fim de semana. Retiros de jovens e reuniões da igreja eram também um ponto de encontro frequente.


Hoje, olhando para trás, era como se estivesse sob exame de admissão, pondo à prova a minha capacidade de relacionamento e ajustamento com os garotos em diversos cenários e situações. Maiores desafios surgiriam: uma viagem a Lisboa nos transportes públicos, sozinho com os pequenos, a fim de tratar da renovação dos seus documentos de identificação ou levá-los em passeio num período de férias, sempre crítico para qualquer mãe trabalhadora. Mais tarde, 3 semanas de férias de Verão juntos acabariam por selar um vínculo irreversível entre nós cinco.

 Um grau crescente de confiança que me foi atribuído pela mãe dos cachopos não veio sem um aumento do nível de responsabilidade para com eles. Um telefonema da mana do meio a implorar a minha presença em casa, levar um lanche à escola do mais novo, escoltar o mais velho no caminho a pé até à escola por causa do bullying de alunos mais crescidos ou assegurar as horas de jantar e dormir durante uma ausência necessária da mãe. Os devocionais faziam parte regular da nossa vida familiar, bem como orações noturnas à cabeceira das suas camas, durante o seu sono, quando percebíamos alguma dificuldade ou ameaça ao seu bem-estar.



Com a desagregação do modelo tradicional de família, nada mais vulgar hoje em dia do que encontrar famílias monoparentais reconstruídas pela integração de um novo cônjuge, o qual, por sua vez, pode igualmente trazer consigo filhos de uma anterior união.

Se esta situação é já um cenário real na sua vida ou se existem probabilidades de o ser a prazo, saiba que mais importante do que ser chamado de pai, é a referência que você pode ser para as crianças. Como é que elas olham para si? E que exemplo lhes transmite?


Partindo da minha experiência pessoal que já dura há praticamente 25 anos, e nunca pretendendo ser um especialista nesta matéria, deixo, no entanto, algumas sugestões para si que partilha uma experiência de vida similar ou que em breve abraçará um desafio semelhante.

1º Além de adotar os filhos da sua mulher como seus, é essencial que seja também adotado por eles. É você que vai integrar esta família como novo membro e não o contrário.

2º Não desautorize a sua companheira à frente dos filhos (e vice-versa). Se houver algum conflito no casal ou divergência no que toca à educação das crianças, tratem disso em particular, procurando o consenso. Os filhos percebem facilmente quando existe desacordo entre as duas figuras adultas da casa e certamente não quererá despoletar uma guerra civil no lar onde os menores se tornem partidários de um dos lados.


3º O coração das crianças tem muito espaço para amar e há lugar para si também, então nunca procure tomar o lugar do pai biológico dos menores, denegrindo a sua imagem na presença deles ou, inclusivamente, tentando afastá-los dele. Com isso, apenas demonstrará a sua insegurança. Bem bastam os receios e inseguranças que o progenitor acaba por projetar sobre os filhos quando percebe que existe um outro homem a cuidar deles e a preencher o espaço que deixou vazio. Mesmo que se trate de um pai ausente ou negligente, encoraje sempre os filhos a respeitá-lo, honrá-lo e, se possível, a manterem um bom relacionamento com ele.


4º Não confunda autoridade com autoritarismo. Jamais granjeará honra e respeito por parte das crianças se insistir em fazer prevalecer a sua posição com base na agressividade, gritos ou expressões do género "Aqui quem manda sou eu!" Para que a sua autoridade seja reconhecida, precisa de ser firme na disciplina, demonstrar generosamente o seu amor por elas e que as suas atitudes sejam consistentes com as suas palavras.


5º Não tente comprar o afeto das crianças consentindo com todas as suas vontades e caprichos. Até pode ficar com a imagem de "fixe" e "porreiro", mas quando precisar de impor alguma disciplina, enfrentará sérias dificuldades, não só para reverter essa imagem, como também para que a sua autoridade seja levada a sério.


6º "Tu não és meu pai!" - Em certas alturas de tensão familiar, e sobretudo se envolverem adolescentes, poderá ser (se não o foi já) mimoseado com esta típica argumentação de quem não pretende acatar ordens. Não se deixe fragilizar, encarando-a como um ataque à sua pessoa. De facto, você não é “o pai”, mas de qualquer maneira não é isso que está em causa e sim a obediência às regras da casa.


7º Nunca, mas nunca mesmo, obrigue a sua companheira a escolher entre si e os filhos dela. Estes são sempre uma prioridade para qualquer mãe que se preze, por isso, a menos que não esteja absolutamente convicto do futuro do vosso relacionamento, arrisca-se seriamente a ficar fora de jogo.

A confiança não é um direito adquirido. Conquista-se passo a passo, dia após dia. Então, não abrace este desafio com ansiedade mas revista-se de serenidade e paciência. Dê-se a conhecer tranquilamente às crianças ou jovens, não esquecendo que é necessário um período de ajustamento para as diferentes personalidades aprenderem a conviver na mesma casa. Tal como num casamento, uma coisa é estarem juntos ocasionalmente durante uma visita ou num programa de rua, outra bem diferente é passarem a viver 7 dias por semana debaixo do mesmo teto.

Não sei se é suposto um pai sentir imediatamente um desmedido amor pelos filhos que o seu sangue gerou. Sei que o amor não é um sentimento volátil, mas sim uma decisão consciente de cada dia, nem sempre fácil. E também sei que, quando escolhe adotar os filhos do seu cônjuge como seus, personifica o exemplo de Deus que em Jesus nos adotou como seus filhos e espera que o adotemos como nosso Pai. A maior recompensa nem será ser eventualmente chamado de “Pai”, mas aprender a amar os filhos que não eram seus.