Hoje
vou correr novamente os 10 km da S. Silvestre de Lisboa e, por uma série de
sucessivos contratempos, situações inesperadas e urgências familiares, não
estou, nem de perto nem de longe, preparado como gostaria para este desafio. Desta
vez, a quilometragem que consegui acumular nas pernas é manifestamente escassa,
a frequência e o número de horas de treino são insuficientes, estou muito aquém
do meu ritmo normal de treino e as vias respiratórias ainda se ressentem de uma
constipação. Mas, mesmo assim, vou! Vou correr, vou competir, embora, à partida,
as condições não sejam as ideais nem tão pouco favoráveis para obter uma boa
classificação. Por isso, terei obrigatoriamente que realizar uma corrida
inteligente, maximizando os poucos recursos disponíveis de momento a fim de
obter o melhor resultado possível. Caso contrário, a alternativa será “encostar
à box” a meio do percurso. E já delineei uma estratégia.
1 -
Iniciarei com uma boa sessão de aquecimento, alongamentos e sprints
selvagens estilo Porsche para aterrorizar e desencorajar logo à partida os mais
diretos rivais. Tunga!
2 –
Procurarei partir o mais à frente possível, tendo já em mente as centenas de
invejosos que de certeza me quererão ultrapassar só para me contrariar. Mas um
atleta de (baixa) competição tem de saber lidar com este tipo de situações, por
isso colar-me-ei no seu encalço, usando-os descaradamente como quebra-vento, o
que me permitirá poupar algumas energias. Toma!
3 – Farei
a corrida possível, doseando o esforço. A cada tiro de partida, há sempre
alguns campeões valentaços que explodem em correria desenfreada para chiarem
como balões vazios quilómetros adiante. O segredo está em dosear o esforço,
considerando todas as dificuldades que surgirão durante o percurso.
4 –
Há um momento da corrida que é crucial e decisivo para a forma como a vamos
terminar e é nesse momento que temos de atacar. O ataque exige sempre de nós
uma dose adicional de esforço, energia e sacrifício, mas é absolutamente
essencial para nos dar aquele impulso que nos garanta uma maior vantagem sobre
os restantes corredores. Há quem tenha excelente ponta final e aguarde os
derradeiros quilómetros para desferir o ataque. Eu prefiro fazê-lo nas subidas.
Quando a maioria bufa e espuma para chegar ao final da subida, eu faço questão
de esboçar um sorriso idiota e alargar o passo. Serão 3 km a subir, desde os
Restauradores até à rotunda do Saldanha…
5 – A
chegada à meta pode ser algo apocalíptica: ficamos felizes por ultrapassar a
100 metros do final um gordo careca que nos desafiou até ali e,
simultaneamente, somos passados para trás por um peso pluma de 13 anos mesmo em
cima da meta.
Seja
qual for o alvo que nos propomos atingir, a meta que queremos alcançar, não
devemos, não podemos estar à espera de reunir primeiro todas as condições ideais
e que julgamos necessárias para então agirmos. Caso contrário, nunca passaremos
das intenções à ação.
Importa começar a corrida. Planear, sim, mas também começar. Com todos os recursos que temos à mão, mesmo que poucos. Com as condições que temos, mesmo não sendo ideais. E fazermo-nos à estrada, desenvolvendo uma corrida inteligente, explorando ao máximo os trunfos que temos disponíveis. No mínimo, os resultados que podemos esperar serão surpreendentes. Ou, em alternativa, resta-nos ficar eternamente à espera de um tiro de partida que já soou há muito tempo atrás.