12/04/2014

O INCHAÇO FATAL DO EGO

"Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo" (John Donne, poeta e clérigo inglês, séc. XVI)

Normalmente associamos provas ou testes a dificuldades, a adversidade, a épocas de dor e sofrimento em que, de alguma maneira, o nosso caráter é posto à prova. Mas o nosso caráter também pode ser testado em condições que são tudo menos desagradáveis ou dolorosas. Se somos alvo de um elogio, de reconhecimento público ou se alcançamos sucesso profissional, o nosso ego fica naturalmente em alta. Sabe bem, claro que sim. E aqui, pelo menos duas coisas poderão acontecer: reconhecer em humildade que tudo aquilo que alcançámos ou realizámos nunca poderia acontecer sem a ajuda dos outros - e até mesmo de inspiração divina - ou incharmos como um balão, atribuíndo-nos todo o mérito das nossas realizações e sucessos.

RIDÍCULO

E coisas desagradáveis podem suceder a um balão, sobretudo se este contiver excesso de ar. Rodopiar sem nexo, vazando o ar com aquele som ridículo e relaxado que bem conhecemos para terminar como látex flácido no chão. Estamos em fogo, vamos conquistar este e o outro mundo, nada nos pode deter e somos a promessa do ano mas, por alguma contrariedade inesperada ou expectativa irrealista criada por nós mesmos, todo o entusiasmo se esfuma em nada e das expectativas que alimentámos nos outros, não restam senão cinzas de desilusão. O arranque inicial até foi bom, mas a ponta final dececionante. Perdemos o gás.

ENERVANTE

Um balão com excesso de ar tem a capacidade de se tornar irritante em extremo. Quando abrimos muito ligeiramente o seu orifício numa prolongada fuga de ar, é capaz de ensandecer os tímpanos da mais serena das criaturas. Sim, quem gosta de se ouvir interminavelmente, acaba por soar a cana rachada e a falar sozinho porque, entretanto, toda a gente foge espavorida e até o evita se o vê à distância.

IMPRESSIONANTE
Se não houver o cuidado de regular a pressão do ar insuflado, o balão facilmente rebentará por qualquer motivo. É o que acontece se cedermos à ousadia de nos aproximarmos com algum objeto de ponta afiada. Um ego inchado não aceita críticas ou que lhe apontem o que quer que seja. Assim, quando picado, o estouro é geralmente ruidoso e impressionante mas, no fim, alguém lhe sentirá a falta?

Numa cultura em que o individualismo, a auto-suficiência e a competição se instalaram como valores normais, a declaração de John Donne "Nenhum homem é uma ilha" surge como um grito de alarme. A afirmação tão peremptória de Jesus de que sem ele nada podemos fazer (evangelho de João 15:5) incomoda e escandaliza. Parece até um atestado de incompetência à humanidade. E quando o livro de Génesis (2:18) defende que não é bom que o homem esteja só, podemos situar essa declaração não apenas no contexto habitualmente citado de um relacionamento entre homem e mulher, mas também no contexto da amizade, do companheirismo, do trabalho em equipa, da concretização de um sonho ou projeto. A verdade é que juntos e dependendo uns dos outros, talvez caminhemos mais devagar, mas chegamos mais longe! Então, não é mesmo bom que o homem esteja só. Onde nos conduziu o "orgulhosamente sós" do regime salazarista senão a um atraso de décadas em comparação com outras nações? O próprio conceito de família, tão essencial para o desenvolvimento saudável de qualquer pessoa, é plural e exige o relacionamento entre pelo menos duas pessoas. Mas, e o famoso ditado "Mais vale só que mal acompanhado"? Eu diria que estar só pode, por vezes, ser preferível e até mesmo necessário em certas circunstâncias, mas isso não significa que seja o ideal.

Quando nos integramos e expomos em família, numa comunidade ou equipa, beneficiamos de uma excelente terapia em que o nosso ego é esticado e moldado. Percebemos que temos de nos ajustar ao diferente temperamento de familiares e colegas. Aprendemos quais os limites que não devem ser ultrapassados nos nossos relacionamentos.  Aumentamos a nossa sensibilidade para escutar opiniões diversas da nossa e assim percebemos que nem sempre a razão está do nosso lado. Expomo-nos à aprendizagem e correção de erros e, logo, crescemos. Compreendemos que há mais universos além do nosso. Interiorizamos a alegria da partilha e da generosidade. Aprendemos a servir mais os outros e menos os nossos interesses. Eventualmente, chegaremos a compreender que, quando cuidamos dos outros, o benefício que daí resulta é nosso também.

Quando a nossa saúde está em jogo, recorremos a especialistas e a tratamentos que nos restituam a qualidade de vida. Mas a melhor atitude que podemos adoptar é, sem dúvida, a prevenção. E ensinar o nosso ego a viver em família ou equipa é, sem dúvida, uma excelente forma de prevenir o inchaço fatal do ego.