26/04/2009

Crónicas do Metro - METRO HIP HOP

Apelo I. “A vossa moeda, por favor!”, clama o homem com voz sonante. E insiste, “Tenham a bondade de me auxiliar com a vossa moedinha, por favor!”. Chocalha sonoramente as moedas no copo de plástico em sua mão para chamar a atenção enquanto avança a passos decididos carruagem do metro afora. O clamor repete-se, insistente, entrecortado por um profundo suspiro quando as moedas tardam em cair no copo ou, talvez, pelo cansaço da repetição maquinal do apelo. Cego de nascença, rapidamente some-se na multidão apinhada na carruagem.
Ele passou e eu fiquei a ver, yo.
Apelo II. “Tenham a bondade de me auxiliar com a vossa moeda, por favor!”. Desta vez, o lamento triste ressoa, feminino, de um rosto sem olhos, as órbitas totalmente cobertas pelas pálpebras. Impossível não ficar impressionado com a visão de um tal rosto que nunca viu luz. Mas nem por isso as moedas são depositadas com maior fartura na caixa de esmolas que traz pendurada ao pescoço. Duas moedas tilintam quase de seguida no recipiente. “Obrigado! Boa sorte e saúde.”, debita a mulher, lacónica pela incontável repetição diária do mesmo gesto e da mesma frase.
Ela passou e eu fiquei a ver, ya.


Apelo III. Começa lá ao fundo por um som indistinto de pancadas sonoras no metal dos varões de apoio aos passageiros. Vai crescendo gradualmente, complementado por um batuque super-ritmado na caixa de esmolas do que parece ser um canivete. Non stop, faz compasso, assobiando e percussionando freneticamente no chão a vara de invisual que detém na mão. Trinta e tal anos, pára subitamente para declamar acapella o refrão hip hop “Ora, podem crer que eu continuo a agradecer toda a bondade e possibilidade em me auxiliar!”. Perante olhares de admiração, prossegue o refrão até ao final do comboio, retomando novamente o batuque e a percussão, rematados pelo assobio. Aqui e ali, passageiros depositam uma moeda perante a marcha do talentoso invisual.
Ele passou, ya, e imediatamente desejei ter mais no bolso do que o cartão multibanco. Senti um enorme desejo de me colar ao seu ritmo hip hop, de lhe perguntar o nome e dizer o quão fantástico era e como me deixava bem disposto. Quis ser alguém influente na televisão, pois poderia mostrar ao mundo o talento inato deste homem e, assim, alterar o curso descolorido da sua vida. Imaginei-o já estrela célebre de tremendo sucesso, potenciado pela franzina figura de pernas arqueadas, rosto chupado e irreverência cáustica quando as moedas tardam em fazer-se ouvir. Senti-me inspirado. Eis duas atitudes opostas perante a mesma circunstância.
Ninguém está imune às adversidades da vida. Em dado momento, sempre teremos que passar pelo fogo ou por águas turbulentas. Mas é aí, aha, que a nossa postura e atitude farão toda a diferença. A lamentação e o queixume nada alteram. Não nos libertam dos problemas nem tampouco cativam alguém para nos ajudar. E é difícil ajudar quem se lamenta com pena de si mesmo. A vitória sobre a adversidade começa com uma mudança de atitude: umas vezes aguentando firme a tempestade, outras vezes indo à luta, mas calando definitivamente o espírito de auto-comiseração e a tentação de nos remetermos a um canto para lamber feridas. Seremos, então, um estímulo para quem nos observa em idêntica situação.
Hey ya, já tens o teu refrão hip hop?

(Carlos Pinto Leite)