24/10/2018

O Blog Mudou-se

Olá a todos!

A partir de hoje, este blog mudou-se de armas e bagagens para um novo endereço. Porque mudar de quando em quando é benéfico, produz crescimento e evita a estagnação.

Agora poderão encontrar as publicações que já conheciam, bem como as futuras, aqui mesmo, em https://coisashomem.blogs.sapo.pt.

Quanto à Ilha do Tesouro, não terá mais quaisquer atualizações e encerrará definitivamente em 31 de Dezembro de 2018.

Obrigado por me acompanharem.
Um abraço!
Carlos

18/06/2017

Café-Convívio de Loures, Uma Resposta Debaixo da Ponte



É sexta-feira e os colaboradores começam a chegar cerca das 18.00h, bem dispostos e completamente focados na missão que os aguarda. São 17 colaboradores ao todo, totalmente voluntários, homens e mulheres, o mais jovem com 16 anos e o mais experiente já na casa dos 60. Há de tudo um pouco: estudantes, vendedores, administrativas, jardineiros, mecânicos, engenheiros agrónomos, cabeleireiros e desempregados.

A atmosfera é de entreajuda permeada de bom humor e o foco é só um: prestar apoio - alimentar, material e espiritual - a pessoas sem-abrigo, toxicodependentes e alcoólicas que sobrevivem como podem nos concelhos de Loures e Odivelas.
 
Falamos da equipa do Café Convívio de Loures, a qual visita e apoia aproximadamente 50 pessoas naquelas condições, número equivalente a outras tantas já recuperadas e reintegradas com sucesso na vida em sociedade por este ministério da igreja Hillsong Portugal, em Lisboa. Integrada nas Redes Sociais de Loures e Odivelas, presta contas ao Desafio Jovem Portugal e à igreja Hillsong Portugal, sendo assumidamente a única equipa de rua naqueles dois concelhos, daí que as solicitações para uma resposta social de emergência, de proximidade e de acompanhamento são mais que muitas.

A equipa iniciou a sua atividade no início de 2003, sendo liderada por Luís Antunes e sua esposa Sofia Nunes (imagem à esquerda) que nos endereçaram o convite (a mim e Fernanda, minha mulher) para os acompanharmos numa ronda noturna.

Assim, todas as sextas feiras, o grupo vai ao encontro de pessoas sem-abrigo, toxicodependentes e alcoólicas exatamente onde elas estão: em lugares recônditos e esquecidos como uma caravana, um casebre ou literalmente debaixo de uma ponte. 

A maioria dos voluntários começou sem formação, adquirindo competências, discurso adequado, estratégia e dinâmica com a experiência no terreno e a orientação de Luís Antunes, formado especificamente nesta área.

Numa primeira fase, refeições completas, bem como produtos de higiene, mantas e vestuário são devidamente preparados e embalados a fim de serem distribuídos na ronda dessa noite. Os alimentos e refeições chegam através de parcerias com as câmaras municipais, instituições, restaurantes, churrasqueiras, lares e doações de particulares. 

Mas antes de avançar finalmente para a rua, é tempo de comer alguma coisa. Depois, Luís e Sofia reúnem a equipa para últimas instruções e um tempo de oração em conjunto. Sim, existe uma orientação espiritual cristã, a qual é partilhada pelos colaboradores.  

São 21.30h e é tempo de carregar todas as refeições embaladas e outros haveres na carrinha que vai transportar o grupo e fazer o percurso já bem delineado com as paragens previstas.

carrinha arranca para o asfalto mas estamos na Primavera, as noites ainda conseguem ser húmidas e o frio adensa-se com o passar das horas.
Através de vegetação que cresce desordenada, entramos num casebre degradado. Roupa estendida em cordas improvisadas e colchões no chão indiciam uma presença humana, ausente em parte incerta.
Falhado o contacto, a equipa vai ao encontro de dois homens de meia idade que, acudindo ao chamamento, surgem de um caminho obscurecido pela fraca luz. É tempo para a toma de um chá quente e reconfortante. Agradecidos, aceitam as provisões e o cuidado dos membros da equipa, permeado de abraços e palavras de encorajamento.
Mais adiante no percurso, alguém que vive literalmente debaixo de uma ponte sobranceira à auto-estrada. Para lá chegar, atravessamos um caminho pejado de lixo. De momento, ninguém se encontra ali. Ao redor das mantas estendidas no chão de cimento, uma quantidade imensa de sacos de plástico e mais lixo. 

O próximo utente terá uns sessenta e tal anos e vive numa caravana. No exterior, alguidares sobre bancadas improvisadas, uma tábua de engomar e um espelho pendurado na superfície da caravana providenciam o suporte para o mínimo dos mínimos da dignidade humana. 
Há também quem passe a noite num cubículo (literalmente). Carlos, um dos colaboradores da equipa, estabelece um diálogo persistente e motivador com a personagem deitada no interior, que resiste até ao fim em deixar-se ver.

Dez e tal da noite e o frio vai apertando, por isso há nova pausa e chá quente para todos. Depois, vamos ao encontro de outros 2 homens que encontram abrigo numa escola básica, agora desativada. 


Gradualmente, o stock de provisões na carrinha vai diminuindo ao ritmo das visitas, na proporção inversa ao bom humor e ânimo de toda a equipa do Café Convívio. Há quem durma profundamente e não dê acordo de si, por isso a opção é deixar à sua beira as provisões que lhe foram destinadas.  

A última visita dessa noite é uma senhora idosa que vive só. Ouve mal, por isso são necessárias chamadas insistentes até que abra a porta. Cerca da meia-noite, regressamos finalmente à base do Café Convívio, situada no bairro social da Quinta das Sapateiras, em Loures. O coração cheio e a alegria pelos objetivos atingidos sobrepõem-se ao cansaço evidente dos corpos.



Agravada pelo abandono dos familiares e a ausência de uma rede estável de relacionamentos, a solidão acaba por ser um dos dramas que mais afeta quem vive na rua, fragilizando a sua subsistência e dificultando a sua reintegração social. Daí que a atividade deste grupo não se cinja às rondas noturnas de 6a feira. 
 

Assim, todas as 4a feiras providencia banho nas suas instalações, bem como corte de barba e cabelo para todos os utentes que ali se dirijam, terminando com um reconfortante jantar em ambiente familiar. 


Se há vários exemplos de pessoas recuperadas e reintegradas, Luís e Sofia desvendam também o reverso da moeda, evidente nos casos de abandono: "Já aconteceu...aliás acaba por ser uma situação recorrente. As pessoas com quem trabalhamos são voláteis e inconstantes, mas nós não desistimos de ninguém e mantemo-nos focados na mudança da pessoa, pelo que mantemo-nos em contacto, damos oportunidades...Somos persistentes e insistentes. Redefinimos a estratégia e restruturamos a intervenção com aquela pessoa, que a qualquer momento pode estar disponível para a mudança".

Mas depois há aqueles que em plena rua cantam juntos com a equipa ao som de uma viola e quebram em pranto. Há quem decida deixar o álcool ou droga e aceite ser acompanhado espiritualmente. Ou então, ingressar numa comunidade terapêutica. Há quem não tenha mais ninguém com quem celebrar o aniversário a não ser com estes voluntários, que surpreendem trazendo um bolo.


O Café Convívio de Loures está presente no Facebook e aí é possível acompanhar regularmente as atividades deste grupo voluntário e o seu impacto em quem vive à margem. 

Numa das iniciativas mais relevantes levadas a cabo até ao momento em 2017, os seguidores das redes sociais foram desafiados a cozinhar refeições completas ou simplesmente um prato principal, não só em casa para posterior entrega à equipa, mas inclusivamente na companhia do próprio grupo, tendo definido datas específicas para isso.

Esta iniciativa pretende não só ir ao encontro das necessidades mais básicas dos utentes, mas também envolver os seguidores das redes sociais e incutir-lhes um sentimento de pertença em projetos como este.

 
Luís e Sofia rematam: "É fantástico apostar em pessoas que têm "falhado" na vida, que ninguém dá nada por elas, que são rejeitados pela sociedade e depois, bem, depois vem o milagre da vida. Deus muda corações, atitudes e pensamentos para sempre...e a vida recomeça. É nisto que acreditamos e é por isto que todos os dias lutamos".



Texto: Carlos Pinto Leite
Imagens: Carlos Pinto Leite e Café Convívio de Loures

26/09/2016

O Investimento Inteligente



Nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1988, em Calgary, no Canadá, Michael "Eddie" Edwards, mais conhecido por Eddie a Águia, tornou-se o primeiro atleta britânico a representar o seu país na modalidade de saltos em ski.


Não ganhou qualquer medalha, sendo último classificado, tanto na categoria de salto de 70 metros como na de 90 metros, mas ficou famoso como exemplo de perseverança. Além de alguns quilos de peso a mais para esta modalidade, na infância o atleta teve de usar aparelhos nas pernas a fim de corrigir problemas nos seus fracos joelhos. Sofria ainda de hipermetropia (dificuldade em ver ao perto) e era oriundo de classe social desfavorecida, não dispondo de quaisquer meios de financiamento ou patrocínios. No entanto, classificou-se para os Jogos Olímpicos enquanto trabalhava como estucador, chegando a residir temporariamente num hospital psiquiátrico finlandês por falta de meios para arrendar alojamento.


 Rodado em 2015, o filme “Eddie a Águia” baseia-se na história e lição de vida deste atleta que realizou o sonho de participar nos Jogos Olímpicos contra todas as adversidades físicas e económicas mas, sobretudo, as palavras desencorajadoras do seu pai.


A pior coisa que nos pode acontecer não é dizerem-nos que não podemos fazer algo, que não somos capazes ou que não temos a fibra que é necessária, mas sim acreditarmos nisso!


O poder da vida e da morte reside na língua, refere o livro de Provérbios (1). Então, qual deve ser a nossa atitude face a esse género de comentários? Adotar um espírito de auto-piedade, remetermo-nos a um canto para lamber feridas ou usá-los como rampa para chegar mais além? Certamente não podemos controlar aquilo que de desagradável vem à nossa vida, mas podemos controlar aquilo que sai, a nossa atitude perante a adversidade.


ZONA DE CONFORTO


Há tempos encontrei um amigo no metro de Lisboa e, durante os 5 escassos minutos em que viajámos juntos, perguntei-lhe como estava de sonhos e projetos. "Não há!" replicou, encolhendo os ombros. "É chegar a casa e jogar um pouco no computador enquanto a mulher vê as novelas...".


É essencial questionarmo-nos a nós mesmos, e aos outros, por sonhos e projetos, pois são eles que imprimem uma dinâmica de criatividade, crescimento e progresso na nossa vida, além de constituírem um antídoto contra a rotina e estagnação.


Numa parábola (2), Mateus apresenta-nos 3 administradores a quem o seu patrão confiou a responsabilidade de gerir os seus bens durante uma ausência prolongada. Dois deles não se contentaram com o que tinham. Sonharam com mais e esforçaram-se, duplicando os recursos que lhes tinham sido confiados inicialmente.


O terceiro administrador optou por não arriscar, perdendo uma oportunidade única. Conformou-se com o que tinha, acabando sem nada. Fazer o sonho acontecer implica saír da zona de conforto e correr alguns riscos. Sujeitamo-nos a ser incompreendidos, ridicularizados, desprezados ou ignorados, mas jogar pelo seguro pode ser um risco muito maior.


É importante identificarmos os nossos sonhos e paixões, aquilo que nos move e faz vibrar, pois muito provavelmente é aí que se enquadram os nossos dons, aquilo em que somos especiais e que, de forma inata, sabemos fazer como mais ninguém.


Timidez, preguiça ou prioridades invertidas podem colocar os dons "na gaveta" e manter-nos uma vida inteira à margem de um futuro brilhante e com propósito, desenhado à nossa imagem. Para que isso não aconteça, eis alguns argumentos.


INVESTIMENTO INTELIGENTE


1. Devemos a nós mesmos a oportunidade de cumprir o nosso propósito. Quem sabe, a oportunidade de trabalharmos naquilo que gostamos, de vivermos a nossa paixão e ainda sermos pagos para isso.


 2. O que é isso que tens na mão?

Esta não foi uma pergunta tola e escusada (3), mas serviu para focar a atenção de Moisés em algo que parecia insignificante: uma vara de madeira. Este foi o instrumento nas suas mãos para abrir um caminho (através do Mar Vermelho) onde mais nenhum outro existia. Aquilo que temos à mão pode muito bem ser um meio para desbravar uma nova carreira.


Exemplos? Nos anos mais negros da crise de desemprego em Portugal, lembro-me muito bem dos noticiários da TV divulgarem reportagens acerca de pessoas atingidas por esse flagelo, cuja necessidade as levou a descobrir talentos que elas próprias desconheciam ter, os quais lhes permitiram recomeçar do zero e reconstruír as suas vidas numa nova direção.


3. Temos responsabilidade para com as pessoas que integram a nossa esfera de influência.

Quer encaremos os nossos dons como um simples passatempo ou como uma fonte de rendimentos, não devemos ignorar que através deles podemos influenciar outras pessoas. Retê-los ou negligenciá-los significa negarmo-nos a nós mesmos uma oportunidade e impedir que aqueles que integram a nossa esfera de influência sejam beneficiados por eles. Por outro lado, que deceção para as gerações seguintes se constatarem que todo o nosso potencial ficou encerrado na nossa curta existência e que as privámos de um legado - seu por direito - que lhes poderia ser útil.


 4. Prestação de contas

 «E, muito tempo depois, veio o senhor daqueles servos e fez contas com eles.» (4)


O dia chegou em que os 3 administradores tiveram que dar contas da sua gestão e também cada um de nós terá que prestar contas do bom ou mau uso dos nossos dons. Não se pretende aqui lançar sentimentos de culpa ou condenação. Mas, como mordomos que somos, é um alerta para a responsabilidade que temos de investir tempo nos dons e de colocá-los ao serviço do próximo e da comunidade, pois só através da partilha cumprirão cabalmente o seu propósito.


5. Extraordinário, raro, único, irrepetível

Em cada geração existem milhões de pessoas com dons semelhantes mas com expressão diferente de indivíduo para indivíduo, o que os torna únicos. Existem muitos profetas registados nos textos bíblicos, mas como Moisés se diz que não houve nenhum outro, nem antes nem depois. Também o rei Salomão é referido pela sua sabedoria como a de nenhum outro homem, antes ou depois dele. Cada ser humano é irrepetível e a forma como expressa os seus dons também. Estes são o meio através do qual Deus pode realizar coisas extraordinárias, raras, únicas e irrepetíveis na História.


 O QUE POSSO FAZER?


. Gerir o meu tempo. Se queremos que os nossos dons floresçam, uma gestão sábia do tempo é disciplina obrigatória, caso contrário podemos facilmente perder-nos com distrações fúteis. E daqui, passamos diretamente para a questão das prioridades.


2. Rever prioridades. Alguma coisa terá que ficar para plano secundário. Se não investirmos nos nossos dons, estes estagnarão. Investigando um pouco 24 horas da vida de personalidades como Beethoven, Balzac, Maria João Pires ou Marie Cury, percebemos que a esmagadora maioria do seu tempo era devotada à sua grande paixão, fosse ela a literatura, música ou outra. Não temos porque ser génios ou celebridades, mas podemos aprender algo com o seu exemplo, adaptando-o à nossa vida particular.


3. Estudar. A inscrição num curso ou escola é uma forma de desenvolver as nossas aptidões na área que desejamos. Quem não tem essa possibilidade, pode sempre transformar-se em autodidata e aprender ao máximo através de livros, publicações e conteúdos disponíveis na internet.


4. Expor-me a quem tem mais experiência. Se queremos crescer e desenvolver os nossos dons, os relacionamentos são imprescindíveis. Trocar conhecimentos e experiências com amigos, participar em seminários e conferências relacionadas com a nossa atividade ou frequentar exposições vão contribuir definitivamente para o nosso crescimento.


5 . Ficar aberto à crítica. Por vezes não é fácil submeter o nosso trabalho ou criação à apreciação de outras pessoas pela expectativa que isso cria em nós. A reação do outro lado é sempre uma incógnita mas, sobretudo, porque significa permitir o acesso de outra pessoa a áreas da nossa vida que podem ser muito íntimas. Contudo, submeter-nos à avaliação e crítica de profissionais experientes será sempre uma preciosa mais-valia.


6. Ser intencional. “Tu nunca vais obter as ligações certas se não estiveres no lugar certo!”, prega Mário Rui Boto. Cabe-nos a iniciativa de nos posicionarmos estrategicamente em circunstâncias que nos ajudem a crescer. Temos que ser intencionais em nos relacionarmos com pessoas que nos desafiem e na participação em eventos chave, onde não só poderemos aprender algo novo e trocar experiências, mas também estabelecer ligações com o potencial de nos colocar na direção certa e impulsionar o nosso crescimento.


7. Não desanimar. Os resultados iniciais nem sempre são os desejados. Tudo o que é grande começa pequeno. Uma maratona é feita de milhares de pequenos e sucessivos passos. A chuva apenas cai após todo um processo de evaporação e condensação. Uma colheita só se obtem semente após semente lançada à terra. Contrariedades e obstáculos são inevitáveis mas uma atitude correta perante os mesmos é decisiva para os ultrapassar.


A igreja pode e deve ser um viveiro onde os talentos de cada pessoa encontram espaço e oportunidade para amadurecer e florescer. Foi justamente isso que nomes como Whitney Houston na música, C. S. Lewis na literatura ou Michelangelo na escultura, descobriram. 


Quando alinhamos o sonho e paixão que nos movem com os nossos dons, estes são catapultados para além da nossa vida pessoal, beneficiando familiares, amigos e até comunidades inteiras. Um dom é uma dádiva e, como tal, só cumpre integralmente o seu propósito quando o partilhamos com outros. Quando isso acontece, acordamos motivados, sabendo que o nosso trabalho não é em vão. Percebemos porque estamos aqui. Haverá maior recompensa?

1)Provérbios 18:21;  2) Mateus 25:14-30;  3) Êxodo 4:2; 14:16, 21;  4) Mateus 25:19


Texto e foto: Carlos Pinto Leite