18/06/2017

Café-Convívio de Loures, Uma Resposta Debaixo da Ponte



É sexta-feira e os colaboradores começam a chegar cerca das 18.00h, bem dispostos e completamente focados na missão que os aguarda. São 17 colaboradores ao todo, totalmente voluntários, homens e mulheres, o mais jovem com 16 anos e o mais experiente já na casa dos 60. Há de tudo um pouco: estudantes, vendedores, administrativas, jardineiros, mecânicos, engenheiros agrónomos, cabeleireiros e desempregados.

A atmosfera é de entreajuda permeada de bom humor e o foco é só um: prestar apoio - alimentar, material e espiritual - a pessoas sem-abrigo, toxicodependentes e alcoólicas que sobrevivem como podem nos concelhos de Loures e Odivelas.
 
Falamos da equipa do Café Convívio de Loures, a qual visita e apoia aproximadamente 50 pessoas naquelas condições, número equivalente a outras tantas já recuperadas e reintegradas com sucesso na vida em sociedade por este ministério da igreja Hillsong Portugal, em Lisboa. Integrada nas Redes Sociais de Loures e Odivelas, presta contas ao Desafio Jovem Portugal e à igreja Hillsong Portugal, sendo assumidamente a única equipa de rua naqueles dois concelhos, daí que as solicitações para uma resposta social de emergência, de proximidade e de acompanhamento são mais que muitas.

A equipa iniciou a sua atividade no início de 2003, sendo liderada por Luís Antunes e sua esposa Sofia Nunes (imagem à esquerda) que nos endereçaram o convite (a mim e Fernanda, minha mulher) para os acompanharmos numa ronda noturna.

Assim, todas as sextas feiras, o grupo vai ao encontro de pessoas sem-abrigo, toxicodependentes e alcoólicas exatamente onde elas estão: em lugares recônditos e esquecidos como uma caravana, um casebre ou literalmente debaixo de uma ponte. 

A maioria dos voluntários começou sem formação, adquirindo competências, discurso adequado, estratégia e dinâmica com a experiência no terreno e a orientação de Luís Antunes, formado especificamente nesta área.

Numa primeira fase, refeições completas, bem como produtos de higiene, mantas e vestuário são devidamente preparados e embalados a fim de serem distribuídos na ronda dessa noite. Os alimentos e refeições chegam através de parcerias com as câmaras municipais, instituições, restaurantes, churrasqueiras, lares e doações de particulares. 

Mas antes de avançar finalmente para a rua, é tempo de comer alguma coisa. Depois, Luís e Sofia reúnem a equipa para últimas instruções e um tempo de oração em conjunto. Sim, existe uma orientação espiritual cristã, a qual é partilhada pelos colaboradores.  

São 21.30h e é tempo de carregar todas as refeições embaladas e outros haveres na carrinha que vai transportar o grupo e fazer o percurso já bem delineado com as paragens previstas.

carrinha arranca para o asfalto mas estamos na Primavera, as noites ainda conseguem ser húmidas e o frio adensa-se com o passar das horas.
Através de vegetação que cresce desordenada, entramos num casebre degradado. Roupa estendida em cordas improvisadas e colchões no chão indiciam uma presença humana, ausente em parte incerta.
Falhado o contacto, a equipa vai ao encontro de dois homens de meia idade que, acudindo ao chamamento, surgem de um caminho obscurecido pela fraca luz. É tempo para a toma de um chá quente e reconfortante. Agradecidos, aceitam as provisões e o cuidado dos membros da equipa, permeado de abraços e palavras de encorajamento.
Mais adiante no percurso, alguém que vive literalmente debaixo de uma ponte sobranceira à auto-estrada. Para lá chegar, atravessamos um caminho pejado de lixo. De momento, ninguém se encontra ali. Ao redor das mantas estendidas no chão de cimento, uma quantidade imensa de sacos de plástico e mais lixo. 

O próximo utente terá uns sessenta e tal anos e vive numa caravana. No exterior, alguidares sobre bancadas improvisadas, uma tábua de engomar e um espelho pendurado na superfície da caravana providenciam o suporte para o mínimo dos mínimos da dignidade humana. 
Há também quem passe a noite num cubículo (literalmente). Carlos, um dos colaboradores da equipa, estabelece um diálogo persistente e motivador com a personagem deitada no interior, que resiste até ao fim em deixar-se ver.

Dez e tal da noite e o frio vai apertando, por isso há nova pausa e chá quente para todos. Depois, vamos ao encontro de outros 2 homens que encontram abrigo numa escola básica, agora desativada. 


Gradualmente, o stock de provisões na carrinha vai diminuindo ao ritmo das visitas, na proporção inversa ao bom humor e ânimo de toda a equipa do Café Convívio. Há quem durma profundamente e não dê acordo de si, por isso a opção é deixar à sua beira as provisões que lhe foram destinadas.  

A última visita dessa noite é uma senhora idosa que vive só. Ouve mal, por isso são necessárias chamadas insistentes até que abra a porta. Cerca da meia-noite, regressamos finalmente à base do Café Convívio, situada no bairro social da Quinta das Sapateiras, em Loures. O coração cheio e a alegria pelos objetivos atingidos sobrepõem-se ao cansaço evidente dos corpos.



Agravada pelo abandono dos familiares e a ausência de uma rede estável de relacionamentos, a solidão acaba por ser um dos dramas que mais afeta quem vive na rua, fragilizando a sua subsistência e dificultando a sua reintegração social. Daí que a atividade deste grupo não se cinja às rondas noturnas de 6a feira. 
 

Assim, todas as 4a feiras providencia banho nas suas instalações, bem como corte de barba e cabelo para todos os utentes que ali se dirijam, terminando com um reconfortante jantar em ambiente familiar. 


Se há vários exemplos de pessoas recuperadas e reintegradas, Luís e Sofia desvendam também o reverso da moeda, evidente nos casos de abandono: "Já aconteceu...aliás acaba por ser uma situação recorrente. As pessoas com quem trabalhamos são voláteis e inconstantes, mas nós não desistimos de ninguém e mantemo-nos focados na mudança da pessoa, pelo que mantemo-nos em contacto, damos oportunidades...Somos persistentes e insistentes. Redefinimos a estratégia e restruturamos a intervenção com aquela pessoa, que a qualquer momento pode estar disponível para a mudança".

Mas depois há aqueles que em plena rua cantam juntos com a equipa ao som de uma viola e quebram em pranto. Há quem decida deixar o álcool ou droga e aceite ser acompanhado espiritualmente. Ou então, ingressar numa comunidade terapêutica. Há quem não tenha mais ninguém com quem celebrar o aniversário a não ser com estes voluntários, que surpreendem trazendo um bolo.


O Café Convívio de Loures está presente no Facebook e aí é possível acompanhar regularmente as atividades deste grupo voluntário e o seu impacto em quem vive à margem. 

Numa das iniciativas mais relevantes levadas a cabo até ao momento em 2017, os seguidores das redes sociais foram desafiados a cozinhar refeições completas ou simplesmente um prato principal, não só em casa para posterior entrega à equipa, mas inclusivamente na companhia do próprio grupo, tendo definido datas específicas para isso.

Esta iniciativa pretende não só ir ao encontro das necessidades mais básicas dos utentes, mas também envolver os seguidores das redes sociais e incutir-lhes um sentimento de pertença em projetos como este.

 
Luís e Sofia rematam: "É fantástico apostar em pessoas que têm "falhado" na vida, que ninguém dá nada por elas, que são rejeitados pela sociedade e depois, bem, depois vem o milagre da vida. Deus muda corações, atitudes e pensamentos para sempre...e a vida recomeça. É nisto que acreditamos e é por isto que todos os dias lutamos".



Texto: Carlos Pinto Leite
Imagens: Carlos Pinto Leite e Café Convívio de Loures