12/09/2009

À BOLEIA DE DESCONHECIDOS

Aproximam-se a passos largos as datas das próximas eleições legislativas e autárquicas. Indiscutivelmente, são datas de suma importância no nosso calendário para aqueles que tencionam exercer o direito de voto. Na óptica destes, cada voto conta e pode fazer a diferença. Já outros reagirão com um encolher de ombros. Desiludidos com a classe política e desmotivados pela actual situação económica e social, não há personagem carismática ou cor política que os convença a ir depositar o voto à boca das urnas. “Votar para quê? São todos iguais!...”

Independentemente da nossa posição face à vida política, temos de estar bem conscientes do que significa alhearmo-nos dos próximos actos eleitorais.
Significa abdicar de um direito conquistado (o do voto) o qual, ainda hoje, é negado a milhões de pessoas em vários países.

Significa que é pouco provável que os motivos pessoais do descontentamento se alterem, pelo simples facto de que nada fizemos para isso.
Significa que, desde que tenhamos a casa, o emprego e a conta bancária garantidos, pouco importa quem nos governa.
Significa o risco de entregarmos o governo do país - e das nossas próprias vidas - em mãos menos sérias ou capazes para essa tarefa.
Significa indiferença e passividade.
Significa que deixamos que sejam outros a decidir por nós em questões fundamentais.

Não é todos os dias que o cidadão anónimo tem oportunidade de fazer ouvir a sua voz e de intervir ao nível das esferas de decisão da sociedade. E, se é suposto a Igreja ser sal e luz, os cristãos, mais do que quaisquer outros, têm a obrigação de dar o exemplo e de participar no acto eleitoral. A Igreja quer-se interventiva e influente na sociedade e esta é uma excelente oportunidade de passar da teoria à prática.
“Que diferença faz um voto a mais ou a menos?” Bem, se todos pensarem assim, a diferença será grande! Por isso, resista por uns minutos à tentação do sofá ou da TV. Resista à preguiça e ao desânimo. A abstenção de voto é como um barco sem timoneiro ao leme que navega à deriva, levado pelas ondas e pelo vento.
O desfecho é tão arriscado como aceitarmos boleia de desconhecidos.

(Carlos Pinto Leite)

01/09/2009

A TEMPESTADE


"Os rios levantam o seu ruído, os rios levantam as suas ondas. Mas o Senhor nas alturas é mais poderoso do que o ruído das grandes águas e do que as grandes ondas do mar" (Salmo 93:3 e 4)

O vento assobiava furioso, cortando-me os ouvidos e a respiração. Gigantescas, as ondas elevavam-se inimagináveis metros acima dos meus olhos para se estatelarem com estrondo quase em cima do meu barco.
- “Fica quieta!” – ordenou-me o velho marinheiro.
- “Como posso ficar quieta?” – gritei-lhe, tentando sobrepor-me à ira do vento. “Este barco parece uma casquinha de noz, sacudido de uma lado para o outro, e com estas ondas afundamo-nos não tarda nada!!”

- “Fica quieta!” – ordenou-me novamente o velho marinheiro.
Fulminei-o com um olhar indignado pela resposta e, lançando mão de todos os objectos ao meu alcance, comecei a lançá-los borda fora, na tentativa de evitar o naufrágio iminente.
O rosto crispado pelo sol e pelo sal do marinheiro surgiu, resoluto, à minha frente e, colocou as suas mãos sobre as minhas.
- “Aquieta-te”! – instou-me. Sacudi-lhe as mãos.
- “É só isso que tens para me dizer? Não sabes dizer mais nada? Fica tu quieto e deixa-me agir, já que não fazes nada!...”
Agarrei num balde e desatei a lançar fora a água que já se ia acumulando no fundo do barquito. Subitamente, fomos elevados na crista de uma enorme onda e apenas tive tempo de me segurar junto à popa onde o marinheiro se sentara. O estômago quase me saltava da boca.
- “Agora não é tempo para agir!” – reiterou ele com voz firme.
O vento açoitava-nos com uma chuva cortante como lâminas. Coloquei os braços à volta da cabeça para me proteger.
- “Ai sim? Então o que sugeres?” – perguntei em tom sarcástico.
- “Eu é que sei!” – retorquiu ele. Os músculos retesados dos seus braços possantes ergueram a âncora da embarcação, arremessando-a para o fundo das águas, arrastando a corrente atrás de si num ruído ensurdecedor.
- “Agora esperamos! Isto vai passar. Se esperarmos, sempre passa!” – afiançou.
Pela primeira vez, as palavras do lobo do mar pareciam ter alguma lógica.
- “Tenho mais força que esta tempestade” – garantiu ele.
Revirei os olhos de fastio. O meu ainda débil grau de confiança imediatamente regrediu perante a absurda afirmação.
Os minutos arrastavam-se, pesados e lentos. O diálogo emudeceu quase uma hora.
Impelidas pelo vento, as vagas iam e vinham num rugido assustador.
– “Então, e agora?... Não dizias que eras mais forte que a tempestade?...”
Os olhos do homem brilharam, indiferentes ao tom irónico da minha pergunta.
- “E sou! As tempestades vêm e vão e não tenho que as acalmar a todas”.
- “Então, se não és capaz de o fazer como dizes, o que estás aqui a fazer?”
- “Não estou preocupado com esta tempestade. É só mais uma. Outros já passaram pelo mesmo e fizeram-me as mesmas perguntas que tu”.
O vento redobrou de violência.
“Não estou aqui por causa desta tempestade” – rematou o velho marinheiro – “Com ela podes tu bem. Estou aqui para acalmar a tempestade do teu coração!”


(Carlos Pinto Leite)