12/03/2011

A VERDADE É UM BICHO-PAPÃO DESINTEGRADO

“Vocês conhecerão a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32)

A verdade é sempre nossa amiga e aliada, ainda que por vezes pareça que ficamos a perder. Não me será difícil recordar um ou outro momento de infância em que, confrontado após autoria de uma asneira, falar a verdade se tornou subitamente um dos testes mais terríveis e agoniantes da minha ainda breve existência. Um verdadeiro bicho-papão, capaz de provocar um nó no estômago, suores frios e de me fazer sentir a pior pessoa do mundo. As crianças até sabem quando inventam disparates, mas o medo da acusação e condenação, no fundo da rejeição, pode levá-las a ocultar as traquinices. Quando confrontado com a minha mais recente “proeza”, lá acabava por balbuciar, de olhar cabisbaixo, uma confissão em tom sussurrante. A confissão nem sempre nos livra de um castigo exemplar… Mas também é nessa altura que cessam os suores frios, o nó no estômago se desfaz como por encanto e o bicho-papão se desintegra para, com sorte, dar lugar mais tarde a um abraço ou palmadinha de consolo.

Falar a verdade pode representar um teste difícil à nossa coragem e transparência mas, ao ocultá-la deliberadamente, vergamo-nos a um peso de culpa e medo (de sermos descobertos a qualquer momento) que dificilmente se suporta e carrega por muito tempo sem consequências para a nossa saúde mental, espiritual e até física. Com toda a propriedade, Jesus Cristo afiançou certa vez que “a verdade vos libertará”. E falar a verdade liberta-nos da acusação, da condenação, do medo de sermos apanhados em falso a qualquer momento. Liberta-nos de uma consciência pesada e, além do mais, permite-nos ser nós mesmos, genuínos, sem necessidade de máscaras, esquemas ou defesas.

Não é por acaso que, a qualquer testemunha que comparece em tribunal, lhe é solicitada que jure dizer “a verdade, somente a verdade e TODA a verdade”. Sem meias-verdades, portanto! Podemos optar por uma meia-verdade (ocultando deliberadamente uma parcela da mesma) para apaziguar temporariamente a consciência e para, de alguma maneira, não parecermos mal na fotografia perante os outros. Mas apenas nos iludimos a nós mesmos, pecando por falta de transparência e honestidade. E, em primeiro lugar, falta de honestidade para com o nosso reflexo ao espelho. Sem dúvida, o nosso eu merece bem mais consideração da nossa parte e bem melhor tratamento do que esse…

(Carlos Pinto Leite)

11/01/2011

VERDADE À BRUTA


“Vocês conhecerão a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32)

Os verdadeiros amigos são absolutamente essenciais para a nossa sobrevivência. Podem contar-se pelos dedos de uma mão (ou duas). Não têm por que ser obrigatoriamente pessoas estranhas ao nosso núcleo familiar. Mas, quer o sejam ou não, se corresponderem ao estatuto de amigos de aliança, dir-nos-ão sem receio o que precisamos de ouvir, o que poderá ser diferente (se não totalmente oposto) daquilo que gostaríamos de ouvir.

Tal como um medicamento que nem sempre sabe tão bem com o bem que nos faz, assim é por vezes a verdade que precisamos de escutar. Não é agradável, incomoda, mas tem o poder de nos abrir os olhos para realidades invisíveis que, possivelmente, sempre estiveram diante de nós. A verdade que nos desconforta, por ser crua e tocar em feridas e fraquezas, pode veicular correcção vital em certas áreas e em etapas específicas da nossa vida, curando sentimentos, moldando pensamentos e ou corrigindo alguma percepção distorcida que temos dos outros ou da realidade que nos rodeia.

Mas é uma linha ténue aquela que separa a verdade que nos corrige (a tal que realmente precisamos escutar) das “verdades” que alguém entende que devíamos obrigatoriamente ouvir e aceitar! Está sempre na ponta da língua e é, de facto, poderosa a tentação de acusarmos quem discorda de nós de “não querer ouvir as verdades”. A diferença entre uma e outra é acentuada e reside na atitude que lhe serve de base. A correcção saudável é ministrada com firmeza e nasce do amor de alguém que se importa genuinamente connosco. “As verdades” que, por vezes, nos procuram impor emergem de uma atitude que se assume dona da razão e não admite diálogo, muito menos contestação.

Quando nos escudamos atrás dos argumentos “Sou uma pessoa frontal” ou “Digo o que tenho a dizer na cara das pessoas” pode ser apenas pretexto para nos justificarmos e debitarmos, sem filtros, tudo o que nos vier à cabeça, mesmo que humilhando o próximo e espezinhando os seus sentimentos.
É essencial não confundir frontalidade com brutalidade. Quando nos servimos da verdade (ou das “verdades”) como arma de arremesso, não somos frontais coisa nenhuma. Somos brutos!

(Carlos Pinto Leite)